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Vivendo em Dunaújváros

  • Foto do escritor: Luana D'Angelo
    Luana D'Angelo
  • 4 de nov. de 2019
  • 8 min de leitura

Atualizado: 8 de nov. de 2019



Dunaújváros. 9 meses depois, familiarizada, decidi escrever sobre como é viver aqui.



Pequena e sossegada, Duna tem aproximadamente 48 mil habitantes e está nas margens do Danúbio, no centro da Hungria. Em 1950, iniciou-se a construção de uma fábrica de tratamento de ferro e aço, parte do processo de industrialização do período socialista e a cidade originou-se junto. Inclusive, Duna já foi nomeada Sztálinváros (a Cidade de Stalin) em 1952. O país só saiu do socialismo em 1988.


Acho importante começar citando esse período que marcou tanto o país, fora a perda de territórios, guerras, crises...Cicatrizes. Pensei em começar com o que mais me perguntam: “Os húngaros são frios?”, mas aí eu estaria começando com a consequência, e não a causa.

Generalizando, eles são “frios” sim. Perdemos a conta de quantas vezes saímos para os poucos bares aqui da cidade com a intenção “vamos conhecer pessoas” e acabamos frustrados. O que acontece é: Não rendem o papo, não sabem inglês ou estão muito bêbados. Eles se resguardam, são amargos e com olhares melancólicos, você provavelmente vai sentir medo de tentar uma comunicação, principalmente com os mais velhos.


No começo isso te frustra. Você está num intercâmbio e quer conhecer gente, você está aberto ao mundo e quer que o mundo se abra pra você. É aí que aprendemos sobre tolerância. Entendemos que a dor vai passando de geração em geração, como aquela mãe que perdeu a família na guerra, ou que “não sabe dar amor” pois aprendeu o que a foi brutalmente ensinado. Não sabemos o que é isso. Não podemos cobrar que sejam o calor de um brasileiro, mas podemos entender de coração, que são húngaros, cheios de cicatrizes.


Uma pequena pausa pra dizer que gosto de romantizar o que escrevo, mas quero fazer desse post algo mais prático, então, voilà! (Este é um texto baseado nas minhas vivências e se você estiver com pressa, pode escolher pelos subtítulos).


Como/porquê eu estou aqui

Minha faculdade, UNIS, tem parceria com outras faculdades pelo mundo e o que acontece é uma troca, eles mandam e recebem alunos pra estudar um semestre fora. São várias as opções de acordo com o curso e país, incluindo estágios remunerados e cortes de alguns gastos como, o estudo em si, alojamento e algumas refeições. Pra participar, se deve ter boas notas e alguns países exigem certificado de inglês ou espanhol. Me inscrevi pra mobilidade acadêmica e passei no processo seletivo(entrevista) que havia duas vagas. Enviei todos os documentos - me segurei pra não morrer – e comprei as passagens. Vim com um amigo(muito querido, Luis Sarto).

Escolhi a Hungria pois queria melhorar meu inglês(aqui as aulas são em inglês), a intenção sempre foi viajar bastante e o território húngaro faz fronteira com 8 países, estou isenta de pagar a faculdade e não gastei com o alojamento nos primeiros 5 meses. O leste europeu é bem mais acessível e por estar a apenas uma hora de Budapest, a facilidade e oportunidades são grandes.


Habituando

A língua que o diabo respeita: húngaro. Chico Buarque tinha razão. Assustamos diariamente com as palavras de 5 letras onde 4 são consoantes e você até se habitua em ver “sze” em todo lugar. Não falamos húngaro e na nossa cidade é raro encontrar quem fale inglês, mas mímica é universal. Nas ruas o que mais vemos são velhinhas com cestas de feiras e senhores fofinhos com suspensórios. Os mais jovens têm personalidades muito fortes, se expressam na aparência, a cada 5, 1 tem cabelo colorido. É normal ver garotas de 16 com carrinho de bebê, aqui a camisinha é caro(mas não é desculpa né) e se quiser pílula do dia seguinte tem que ir em outro país comprar(uma amiga minha foi em Viena hahahaha). Os húngaros são bem carentes e namoram sem nem gostar da pessoa, nossa teoria é que na cidade não tem muito o que fazer...

Dunaújváros é o lugar mais arborizado que eu já vi; é como estar no meio de uma floresta gigante e eu sou completamente fascinada pela paz que é estar aqui. É gostoso simplesmente andar pelas ruas e contemplar as estações do ano, que são bem definidas.

Estou habituando ainda com sermos a atração de onde passamos aqui na cidade, a comprar errado, a passar horas tentando traduzir, a não andar na ciclovia, a entender que a preferência é do pedestre, a tentar novas comidas e falhar miseravelmente. É dureza lidar com húngaros que resmungam com a nota de 10.000, mas fazem um show se você paga tudo em moeda. Tomar banho com chuveirinho num cubículo não é legal, lembrar de levar sacola quando for fazer compras não é comigo, beber bebida quente é sacrifício, mas os feriados aleatórios são bons demais. O chocolate barato faz meu dia e a SEGURANÇA que temos ao andar na rua em qualquer hora do dia, é o melhor sentimento do mundo.


O alojamento

Moramos em um prédio de 4 andares, sendo um apenas de húngaros, outro de chineses e dois para outras nacionalidades. São quartos duplos e triplos, mas alguns têm o privilégio de estarem sozinhos. Nós somos privilegiadas com uma varanda. Minha “roommate” é a Luísa, é estranho mencionar ela assim porquê ela virou minha melhor amiga, felizmente convivemos muito bem. Aqui tem duas cozinhas e lavanderias em cada andar e a parte difícil é compartilhar isso tudo, fora o banheiro que usamos o mesmo pra 5 meninas. Ah e as recepcionistas não falam inglês.

Sobre o “design” do prédio, eu diria que não é algo completamente velho, e muito menos moderno. Mas é aconchegante, o que está ótimo. A construção já foi um hospício de um médico famoso, vivemos fazendo deduções do que já se passou por aqui.


Educação

A infraestrutura da faculdade é perfeita, tudo muito novo num modelo “malhação” da Europa e estão sempre dispostos a nos ajudar. A carga-horária aqui é bem menor que a que estamos acostumados, horários das aulas sem uma lógica e a biblioteca e post office não abrem na segunda-feira(?). Num geral, os professores são bem capacitados e com inglês bom. Sobre os cursos, o de engenharia é bem amparado e patrocinado pela Bosch(empresa multinacional alemã). Já o meu curso, Communication and Media, percebemos um enorme descaso entre professor-ensinar-aluno. Se você vem com intuito de expandir seus conhecimentos, você pode se sabotar um pouco. Geralmente, dizem que irão disponibilizar o studio para fazermos um “filme”(bem massa na teoria) e só, não dão assistência e somos obrigados a saber. Outras aulas temos alguns slides para apresentar, e na pior das hipóteses, assistimos filmes(aleatórios).


Saúde

Aqui na Hungria, eu tive apenas uma situação em que precisei ir ao médico. Com o seguro(April), eu fui encaminhada para uma clínica da Swiss em Budapest, e foi o melhor atendimento possível, tudo muito moderno e organizado. Exames que no Brasil você precisa marcar, fizeram ali mesmo. Comprei o remédio em qualquer farmácia e me reembolsaram. Não sei como seria sem o seguro.


Transporte

Eu faço tudo a pé em Duna e pra ir em Budapest tem ônibus constantemente. Em Budapest o transporte público é impecável, são ônibus, trans(famoso bondinho) e metrôs, o single ticket é 350ft. O acesso mensal é 9.500ft, o que equivale a ~R$126,00. Esse tá na lista dos meus favoritos por aqui.


Alimentação

Eu sinto muita saudade da comida brasileira. Aqui no alojamento costumamos cozinhar, e tem bons restaurantes pela cidade, inclusive os pratos podem ser bem mais em conta que no Brasil. Não é caro comer bem por aqui, macarrão, arroz, legumes, frutas, vegetais, grande parte das coisas são bem acessíveis.

Sou viciada em Gyros, que é uma espécie de podrão grego com carne assada, salada, pão pita e molho de iogurte. Do húngaro side, se você for fã de sopa, Goulash cai bem. O Langos trata-se de uma massa tipo pão frita em gordura e coberta com queijo ralado, é bem gostoso. Os doces são imprecisos, eu diria. Estou tentando desde que cheguei, eles são realmente lindos, mas o gosto é horrendo. Kürtőskalács é uma boa opção. O nome é complicadinho, mas o doce em si é simples: uma massa enrolada em forma de cilindro e assada, coberta com canela e açúcar ou uma mistura de nozes e açúcar. Parece muito com o Trdelnik, famoso em Praga.

Apesar de me virar bem sozinha na cozinha, estou aceitando que o feijão só em lata, a carne de boi é cara e os cortes são diferentes(meu vô disse que vai matar uma vaca só pra mim quando eu chegar rsrsr ansiosa), leite condensado numa textura esquisita e difícil de sair um brigadeiro, não tem manga, não tem maracujá, não tem requeijão, guaraná, etc.


Clima

Uma incógnita. Estamos entrando no outono, a cidade toda está amarelada e alaranjada e duas semanas atrás estava fazendo 6ºC de madrugada. O verão de brusinha e shortinho dura bem pouco, e parece até que o país só vive com sol; se você chama seu amigo pra ir comer pizza a noite, ele pode falar “espera o verão chegar”, juro. O inverno é em dezembro/janeiro/fevereiro, quando cheguei(1º de fevereiro) lembro de ter assustado porquê era 16h e já estava um breu. Aqui na minha cidade, muitos comércios fecham mais cedo, 16h e já está tudo trancado, as sorveterias não abrem mais.


Sobre preconceito

Os ciganos são o povo mais discriminado da Europa, inclusive foram perseguidos por Hitler na Segunda Guerra Mundial. Eles são grupos de nômades originados na India, em comum uma linguagem(romani) e a religião é viver a vida em liberdade. Eu diria que esse é um grande problema social, totalmente rejeitados pela sociedade. Os húngaros dizem com muito ódio no olhar que não gostam dos ciganos e querem seu extermínio por ganharem auxilio do governo sem fazer absolutamente nada e já me contaram que eles ensinam as crianças a pedir dinheiro a se jogarem na frente dos carros pra receberem indenização e mães que machucam o feto. Até concordo com esse ponto de vista revoltante, e já tive um caso bem desconfortável, mas me assusta o modo como generalizam e a forma furiosa como tocam no assunto. Não dá pra saber se eles agem assim pela justificativa de já serem menosprezados pela sociedade, ou se são, porquê são.

Existe o preconceito com negros, mas eu diria que é menor e os húngaros olham desconfortavelmente para eles enxergando como algo diferente, não como repulsa. Nas cidades pequenas onde praticamente não tem imigrantes, é fácil encontrar quem nunca viu pessoas de pele escura. Em Budapest são mais comuns os casos como implicância desnecessária e realmente, o racismo.


Sobre viagens

Eu quero fazer outros posts sobre isso, inspirando, dando dicas e explicando como fiz tudo. Muita gente me pergunta se fiz minhas viagens com agência, e NÃO. Nada. Planejei tudo sozinha. Se eu sou rica? Não sou. Juntei dinheiro de um ano de trabalho e meus pais gastam comigo o que gastariam no Brasil. Tudo é planejamento, couchsurfing e passagens baratas. É muito fácil e seguro viajar por aqui na Europa e eu me dou a missão de inspirar as pessoas a fazerem o mesmo. Conheci 15 países até agora, sendo um mês de mochilão por 5 países, outro mês pela Itália e os outros em feriados distintos. Conheci muita gente, um pouco de muitas culturas e lugares que me renovaram. Eu aprendi, de fato, eu aprendi muito. Aprendi a lidar melhor com meus sentimentos, aprendi a estar presente nos momentos e abstrair o máximo deles, aprendi a viver com menos, a não me limitar, a desapegar e respeitar minhas dificuldades.

No intercâmbio ficamos de certa forma, vulneráveis. Tudo é mais intenso e precisamos de uma força maior para superar a inércia do conforto de estar em casa. Nos tornamos habituados ao passageiro, porquê tudo bem ser passageiro. Escolhemos nadar na correnteza, e aprendemos a lidar com os empecilhos que vem com ela. Aprendemos. E posso dizer, eu sou do mundo e quero comer ele todinho, tenho fascínio no diferente e vou viver para ter uma vida assim, constante.


Vivi momentos nesse ano que eu só consigo olhar pra trás, sentir um puta orgulho de mim e agradecer. Não sou religiosa, mas agradeço a vida, meus pais e a mim pela oportunidade. Perdi as contas de quantas vezes chorei de felicidade no ônibus voltando pra casa.


É isso, espero que tenham gostado. Eu gosto de escrever, queria mostrar como é a vida por aqui e ajudar quem está vindo pra Duna também.

Este não é um blog muito rico e na verdade é meu portfólio de fotografia. Mas as vezes vou escrever sobre viajar e os consequentes, sentimentos. Sintam-se à vontade para um feedback, uma conversa e pedir qualquer ajuda.


Um abraço.


Foto tirada da frente do meu hostel.


Nossa cozinha.

Feira que acontece todo dia cedo.


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